sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Curiosidade, esse tal de "impulso migratório instintivo"

Vinte e oito de fevereiro, fins de verão, terça-feira de carnaval, último dia do mês. E novos lugares nas fotografias e nas lembranças, experiências na vindima da Villa Valduga. No Uruguai, fiz registros em Punta del Este, em Montevideo e em Pueblo Garzón, onde conheci a produção de azeites de oliva de Colinas de Garzón e a vinícola Bodega Garzón, ambas da empresa Agroland. Há uma lista de temas a contar, relatos de viagem, informações e endereços, sabores e perspectivas, mas hoje, em especial, é dia de falar sobre uma das virtudes que move os viajantes: a curiosidade. Bruce Chatwin, escritor inglês que adotou a caderneta moleskine como mascote nos percursos que fazia, tem uma citação que declara essa qualidade viajeira nas entrelinhas: 

Poderia ser, eu pensei, que a nossa necessidade por distração, nossa mania pelo novo, fosse, em essência, um impulso migratório instintivo similar àquele dos pássaros no outono?” (Bruce Chatwin)

Sou curiosa, desde muito cedo. Meu olhar é atento para as descobertas, gosto de encontrar novidades a conhecer, de sentir o vento no rosto e de me sentir sem saber onde estou no mapa. Quando viajo, contemplo cenários e cenas, deixo que a paisagem me toque, e só então sei que estive ali. Nos percursos, misto de desvario e de controle, tenho vontade de errar o caminho para andar por outros trechos. Me encantam aqueles de terra entre os campos verdes, quando não sei fim e começo. Não quero saber do relógio, mas repito com insistência não fazer ideia de que horas serão, numa espécie de paradoxo entre este eu-viajante que se solta e o eu-cotidiano que se alinha aos ponteiros.

 Descobri muito de mim nessas férias de verão: depois de sonhar por muito tempo em participar da vindima, fiquei surpresa com minha reação à colheita da uva, porque sempre imaginei que a emoção da pisa seria insuperável. Colher foi transbordante. Presenciei o pôr-do-sol na Casapueblo de Vilaró, em Punta Ballena, com a voz do artista recitando o poema durante o cair do sol, mas para essa experiência não encontrei palavra. Inesquecível seria um termo trivial para descrever. A cena fica impregnada na pele, nos olhos, no peito, em tudo.

Por alguns dias, fechava os olhos e ouvia a poesia acompanhando o fenômeno. Uma barbaridade de tão lindo!

Nos pampas uruguaios, de tanto olhar para os verdes, as porteiras, os caminhos,  emudeci de conversa falada.   Quando vi o horizonte lânguido, se espreguiçando de corpo inteiro, deu ímpeto  de imitá-lo. Imaginei a cena, e tantas outras, como entrar num daqueles terrenos que vão longe, pelo traçado único e estreito de terra que sempre desperta meu querer porque leva a um não-sei-onde. Se tem uma casa de estância, lá no fundo, quero entrar e aceitar o convite para o café-da-tarde. E isso acontece no mar, também, quando vejo um barco ou  um navio: o desejo pela aventura, pela experiência de sentir. Vi os pescadores chegando de noite no porto, vestidos num macacão laranja que rompia o escuro daquela hora. Trabalhavam uns mexendo nas redes, outros nos peixes, e a força da imagem era tal que o cheiro, o vento e os sons se misturavam como se tudo fosse uma coisa só. De novo, transbordei. Não tinha viajado com eles nos barcos de pesca, não sabia de onde vinham, nem qual o destino, depois dali, mas assistir ao momento da chegada, com peixes grandes e cintilantes, me fez sentir parte.

E é isso que a viagem faz, nos torna parte do novo que os sentidos capturam. A condição de viajantes nos entrega ao inusitado, e a emoção de estranhamento com o que nunca vimos fica carimbada em nós. Em um instante, somos pescadores, camponeses, habitantes de uma ilha, cozinheiros, artistas que escrevem poemas para o sol. Estamos ali, fazemos parte da natureza onde há a porteira, o caminho, a rede de pesca, o vento de longe. E se aquilo fosse rotina, caminharíamos distância ainda maior, para conhecer o que está fora da vista. Essa é a curiosidade do viajante, nosso "impulso migratório instintivo similar àquele dos pássaros no outono", do Bruce Chatwin. 
Essa é a força que move meus passos em território desconhecido: querer conhecer, experimentar, viver.

Sigo adiante nos próximos dias, com os pormenores dos lugares por onde andei neste mês. Registrei anotações do Moleskine, como fazia o escritor nas suas cadernetas. Quando volto às páginas antigas, sempre encontro ali os vestígios desse meu traço talvez nômade, talvez pássaro migratório. Sou cotidiana, mas, de vez em quando, preciso partir em uma nova expedição.  


Com carinho,
Betina





O Turismo de Experiência

Queridos leitores!

Aproveitando que é tempo de férias de verão em nosso Hemisfério Sul, quero conversar sobre uma espécie de viagem que tem ganho cada vez mais destaque no quesito sair da rotina: o turismo de experiência. Seja para períodos longos ou finais de semana prolongados, seja com o amor, a família, amigos ou mesmo sozinho, seja no próprio estado ou fora do país, há uma força crescente, em âmbito global, dessa forma de viajar. 

A escolha por esse tipo de passeio tem a ver com a consciência atual sobre algo que mencionei no post de ontem, a prática de saborear o tempo. Ao escolher um pacote que propicie atividades múltiplas, unidas por um propósito específico, algo de muito positivo se move em nós: o sentimento de fazer parte. E mais ainda, a plenitude do eu-viajante,  essência aventureira em cada um. Nas viagens, despertamos para detalhes e emoções, encontrando mundos diferentes daquele do eu-cotidiano. 

No turismo de experiência, tomamos contato com o novo, dentro e fora de nós. Dentro, pelas mudanças bioquímicas, como o aumento do neurotransmissor dopamina, por exemplo, colocando em ação a curiosidade e as sensações prazerosas pelo inusitado. Passamos a conhecer mais de nós, pelo estímulo a vivenciar nossas reações em um tempo e um espaço característicos, integrados com outras pessoas. Fora, tomamos contato com o novo através dos cenários, dos roteiros, das tradições e folclores, dos figurinos de uma oportunidade incomum até então.  Esse jeito de viajar provoca nosso ser em toda sua extensão, em termos da relação com o corpo, com as emoções e até com a transcendência, pois a participação em uma atividade fora do habitat pode assumir um caráter também meditativo. 

Quando nos propomos à experiência, estamos decidindo por um modo de viajar que tem como eixo o um propósito específico. Claro, qualquer viagem envolve a prática de vivenciar o espaço visitado. A diferença é que, em outras formas de exploração do local, partimos ao nosso destino com o objetivo de vivenciar múltiplas possibilidades, ao contrário de um projeto de viagem com um foco estabelecido. Muitas vezes, como viajante, deixo-me conduzir pelo acaso feliz, não planejando roteiros, permitindo que o território me surpreenda.  Entretanto, a indicação em comum em todas as espécies de  deslocamento: é válido que estejamos por inteiro na proposta, através de nossos sentidos,  e atentos ao seu idioma: a percepção. Trata-se de um treino, e enriquece muito nossa sensibilidade. Estamos ali PARA viver determinada cena, colocando em ação quem somos. Cada experiência traz à tona um pouco mais de nós, e nas viagens isso fica ainda mais tangível. Nas viagens com propósito, por exemplo, isso é muito intenso, pois a vivência de uma tradição ou o aprendizado de uma capacidade demanda de nós a dedicação máxima ao momento presente.

Palavras que, para mim, resumem esse modo de romper o cotidiano:  vivência, prazer, aprendizado, autoconhecimento, integração, desafio. A Vindima 2017, proposta pela  vinícula gaúcha Casa Valduga, como já é tradição  em edições anteriores, apresenta esses atributos em sua programação. 

Querem saber mais?
Conto em detalhes no próximo post!!!

Com carinho,
Betina